João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


O QUE É FELICIDADE


Felicidade
  
           A nossa capacidade de responder com eficiência aos desafios da vida está centrada em um conjunto de habilidades específicas. Quando elas são exercidas no limite máximo da excelência, o resultado ótimo pode ser alcançado. Essa capacidade equivale à uma reconhecida competência para conseguir obter bons resultados na vida profissional.
           Mas isso será verdade também para os demais segmentos da nossa vida? A experiência nos tem mostrado que não. Invariavelmente, os melhores profissionais em determinada arte, ou profissão, não conseguem ser felizes em suas vidas pessoais.
            Isso acontece muito com artistas de renome, mas também envolve profissionais de outros segmentos. Eles focam toda a sua atenção e as suas habilidades na obtenção do sucesso profissional que acabam se esquecendo das demais qualidades que precisam desenvolver para alcançar a felicidade na vida pessoal.

            Equilíbrio físico, representado por uma boa saúde orgânica, situação econômica e social confortável, alegria e satisfação psíquica – que chamamos de paz de espírito – um bom nível de auto-estima, relacionamentos seguros e estáveis, sentimento de estar contribuindo para a melhoria qualitativa da espécie humana, são parte de um conjunto necessário ao estado de bem estar neurológico que nós chamamos de felicidade.  
 
Pertencialidade 
 
           Sabemos que para alcançar um bom resultado em nossas ações, temos que eliciar um estado fisiológico e mental rico em variadas opções de resposta. E depois, escolhida a resposta a ser dada, esta deve ser exercida com muita habilidade.                                  
           Mais do que isso, é preciso que essa habilidade seja praticada com plena consciência das relações em que a pessoa está envolvida.

           Nenhuma ação, nenhum comportamento se completa em si mesmo. Há sempre uma relação envolvida, relação essa que interessa a um dado sistema. 
           Nada do que fazemos só interessa a nós mesmos. Pelo contrário, cada atitude que tomamos, cada movimento que fazemos provoca uma reação no ambiente, ou implica em deslocamento de posição para alguém. É a aplicação do famoso princípio segundo o qual uma borboleta batendo asas na floresta amazônica pode provocar um maremoto na baia de Tóquio. [1] Assim, a frase mais infeliz que podemos dizer quando estamos em relação com alguém é: você não tem nada com isso; é coisa minha, não te interessa, etc.
           Daí acontece que uma pessoa muito hábil em determinada situação, às vezes não consegue ser capaz de atingir um objetivo, pelo simples fato de não saber utilizar com sabedoria sua habilidade. Ela a usa pensando somente em si mesma, nas vantagens que vai obter, no lucro que vai ter. Em outras palavras, não sabe o quanto colaborou para o desarranjo estrutural do universo com sua ação.
 
Níveis de comportamento
 
           Existem vários níveis em nosso comportamento diário, nos quais exercemos as nossas habilidades. O primeiro deles é o ambiente. Nele nos movimentamos, recebendo influência e influenciando. Tudo que fazemos deixa marcas no ambiente. E tudo que os outros fazem também. Por isso Sartre dizia que nós somos frutos de relações e de relações entre relações. Isso é certo. Eu sou o que você faz de mim e todos os outros são o que eu faço deles. Se eu como uma banana e jogo a casca na calçada alguém pode pisar nela e escorregar; se eu tirar a casca de banana da calçada e jogá-la no cesto de lixo, contribuo para evitar um acidente.
           O segundo nível é a nossa habilidade. Ela dá qualidade ás nossas ações. Por isso uma pessoa influencia mais do que outras, ou recebe mais ou menos influência. A medida na qual exercemos a nossa habilidade se chama capacidade. Assim, capacidade é o quanto uma pessoa é mais ou menos hábil para obter o resultado pretendido. Uma pessoa pode ser mais ou menos hábil. O quanto ela é hábil não faz dela uma pessoa capaz. Sua capacidade se mede pela eficiência com que ela exerce a habilidade e obtém o resultado pretendido.  Um craque como Neymar é reconhecidamente um grande jogador. Mas não será um jogador capaz se não fizer gols e não levar sua equipe à grandes vitórias.
          Depois vem o terceiro nível neurológico que é a personalidade. Personalidade é o quanto uma pessoa se distingue no meio em que vive. É a sua marca pessoal. Quando ela faz alguma coisa, produz uma obra, um resultado, as demais pessoas sabem que foi ela quem fez. Ter personalidade não significa ser teimoso e arrogante, do tipo “ Eu sou assim mesmo e o resto que se dane”, mas sim ter um estilo reconhecível e apreciado de fazer as coisas. A personalidade é a marca pessoal que o indivíduo coloca no ambiente.   
          Por fim, é necessário que a habilidade, a capacidade e a personalidade sejam integradas á um conceito de missão. Missão é o quarto nível comportamental em que nós nos movimentamos e é ela que nos integra em mundo superior de qualidade e nos traz o que chamamos de satisfação psíquica.

          O conceito de missão significa que toda ação que fazemos deve ter um propósito maior do que simplesmente o nosso ganho pessoal. Ela deve buscar a realização de um resultado que proporcione o maior ganho ecológico possível para o sistema no qual estamos inseridos.
          A vida é uma relação de trocas. Se eu recebo alguma coisa devo dar algo em volta. Quando obtemos qualquer coisa sem entregarmos nada em troca estamos provocando desequilíbrio no sistema. Estamos tirando sem repor. O universo sobrevive de si mesmo, ou seja, da própria energia que gera. [2] Nesse sentido, quem só consome sem produzir nada é um predador da natureza e um vampiro social. O que ele pensa estar ganhando em materialidade está perdendo em espiritualidade. Jamais alcançara a verdadeira felicidade.
 
Sustentabilidade
 
        A acirrada competição do mundo moderno faz com as pessoas mal tenham consciência de que estão operando em níveis comportamentais de baixa capacidade. As criaturas mais infelizes são, não raras vezes, profissionais, ou mesmo personalidades de muita capacidade técnica ou altíssimo desenvolvimento intelectual. Mas ao pensarem apenas em si mesmas quando realizam suas ações, elas acabam operando em altos níveis de pobreza neurológica, que mesmo que lhe tragam os resultados pretendidos, não consegue fazê-los felizes. É o que ocorre com muitos milionários, muitos artistas de sucesso, muitas pessoas cuja habilidade e personalidade as levou aos mais altos degraus do sucesso. Quando descobrem que chegaram ao lugar onde queriam estar, descobrem que o que tiveram que pagar por isso tinha muito mais valor do que aquilo que conquistaram. O que tiveram foi uma “Vitória de Pirro.”[3]    Drogas, suicídio, comportamento auto-destrutivo, solidão, são o corolário de uma existência que lhes parecia um verdadeiro conto de fadas.    

         Hoje se fala muito em sustentabilidade. Sustentabilidade, na vida pessoal, é o resultado de ações desenvolvidas com base em respostas ecologicamente corretas. Quer dizer: é obter as coisas que precisamos sem perda de substância energética no ambiente em que vivemos. É dizer: se consumimos, temos que produzir. Se tiramos, temos que repor. Se recebemos, temos que dar.  Jesus nos ensinou algo parecido. Ele dizia: de que adianta um homem ganhar o mundo e perder em troca a sua alma? Hoje podemos dizer algo semelhante: de que adianta ter tudo o que o mundo pode dar e não se sentir feliz com isso?
         Ou por outra: o que adianta eu ser feliz se todo mundo á minha volta for infeliz? A felicidade é como uma jaca ou uma melancia: ninguém consegue comê-la sozinho.
 
Sinergia e entropia
 
          A felicidade é um estado neurológico que se sustenta por si próprio. Ou seja, ela se ergue pelas alças das próprias botas, ou como dizem os cientistas da física atômica, ela, como o próprio universo físico, também faz o seu “boot strap”(3). Se para obtermos o resultado pretendido nós gastarmos mais energia do que aquela que repomos no ambiente com o resultado que obtemos, então a nossa felicidade é falsa, porque ao invés de estarmos trazendo sinergia para o mundo estamos provocando entropia. E sabemos que a sinergia gera energia e a entropia a consome. Sistemas e organismos em estado de entropia são aqueles que gastam mais energia do que conseguem repor, e assim estão a caminho da própria morte. Assim, quando consumimos recursos do ambiente sem pensar nos benefícios que estamos fazendo para o ambiente em que vivemos, o que estamos fazendo é destruir tudo o que nos sustenta. Somos como tumores agindo dentro de um organismo. Esse é o tipo do comportamento profundamente entrópico.
           A felicidade só existe como estado coletivo. Experimente ser feliz num ambiente onde todos estão infelizes. Ou mostrar sua infelicidade num ambiente onde todos são felizes. Em qualquer dos casos, se você insistir em manter um estado interno próprio num ambiente onde todos sentem de forma diferente, das duas uma: ou você será expulso dele ou então a si próprio se alienará. E ninguém se importará com isso.
          O quanto você dá e o quanto você toma do sistema? Talvez na resposta certa a essa pergunta esteja a felicidade que você está buscando.

          Por fim uma frase de Gustav Flaubert para a gente pensar: “ser estúpido, egoísta e ter boa saúde, eis as condições ideais para alguém ser feliz. Mas se a primeira vos falta, tudo está perdido.

           
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[1] Metáfora que designa a inter-relação entre todas as coisas no universo, conhecido como “efeito-borboleta”.
[2] Fenômeno que a física chama de Boot Strap, que quer dizer “alça de botas”. Ou seja, o universo se ergue pelas alças das próprias botas, ou em outras palavras, ele se sustenta por si mesmo.
[3] Pirro, rei do Épiro, lutou contra o exército romano e venceu uma grande batalha. Mas perdeu tantos soldados que disse para si mesmo: “mais uma vitória como essa e eu estou perdido.”
 
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 06/03/2018
Alterado em 06/03/2018


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